29/09/24

afirmações-orações contra a cristalização do medo de não conseguir

 Há uma melancolia que atravessa o prazer, uma mágoa que polui o afeto, uma dúvida que desmancha a certeza. E, por sua vez: o prazer que fura a melancolia, o afeto que lava a mágoa, a certeza que cala a dúvida.

Tudo pode ser o que também não é, até certo ponto.

A fragilidade, a vulnerabilidade, até mesmo a fraqueza sentida assim podem ser elucidativas sem mandar tudo (sempre) abaixo. Não é preciso questionar tudo sempre que a dúvida ou o desamparo se impõem. Não é preciso ficar no chão quando se cai. Não faz mal ficar no chão durante um bocado. Encostar o corpo à mágoa e sentir o seu suporte.

"A dor tem um lado erótico, no sentido em que nos aproxima do fundo de nós mesmas" (Björk). Mas a dor não é mais profunda ou mais verdadeira do que o prazer.

Isto não tem de ser umacoisaououtra.

O que nos define não nos define sempre. Mas existe a possibilidade de nos deixarmos afetar; de fora para dentro. Não existe nada que não seja produto de uma relação. Que não seja relação.

Escolha em vez de controlo, não por oposição a. Mas enquanto dispositivo de reconfiguração. Menos "para quê", mais "como", "onde", "quando". Saltar para o acontecimento (Fernanda Eugenio, MO_AND). Não como evasão ou dissociação. Mais como desapego e repartição.

O desvio tem o seu valor. Todos os caminhos têm os seus fantasmas, as suas genealogias.

Há algo a descortinar. Não tanto como verdade mas como revelação circunstancial, que é o melhor presente que o presente nos pode dar.

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Como nos mostrou Hannah Arendt, “o ponto em que o pensamento fracassa é justamente aquele em que devemos persistir nele (...) imprimir-lhe uma nova direção” (apud. Didi-Huberman, 2020). Isto pode passar por desconstruir a própria ideia de fracasso (falha), ou por encarar o facto de que o pensamento falhará sempre ali onde tenta sair dos limites que o encerram. Esses são os moldes do movimento de pensar e, desse modo, ele falha justamente onde deveria falhar, que é como dizer que faz o que é suposto: não falha realmente. Mas o que acontece é que não serve realmente. Persistir será no ponto (e não no pensamento) a partir do qual (só) pensar já não serve para que possamos continuar.


Argonautas, Maggie Nelson


A aporia jaz no impasse que possibilita a sua continuidade, no sentido em que o que não se resolve permanece em aberto. É também nesse sentido, perante a resolução que falha, que o desvio se impõe, que a brecha deixa derramar e que continuamos.