12/07/22

a minha história não é igual à tua

não é na mesma boca que cabem as mesmas palavras:
uma frase tem o poder de desmanchar o que julgávamos ser granito inquebrável – da mesma forma que nos ampara nas alturas mais vertiginosas.
a boca e a cauda, um encaixe. um movimento que nos interpela e nos abala.
uma escala de valores voláteis.

volto aqui, onde sei que já estive porque o meu corpo se contrai da mesma maneira e porque as palavras que surgem são as mesmas. e é aqui, no remoinho que atravessa até a paisagem mais árida, no contraste entre a passagem e a sua impossibilidade, uma linha que são várias linhas trançadas, que a percepção de uma divisão se impõe, de dentro.
ela, a divisão - ou a cisão, um fosso que é a imagem do princípio e do fim, berço e vala - que existe no interior da palavra e se projeta para fora consoante a boca (ou a mão) que a desenha – embora nem todos os sons sejam palavras e apesar do que, no corpo inteiro, não sendo boca, também fala, não sendo mão, também escreve.

esqueço-me constantemente de que vou continuar a lembrar-me: a sensação de não retorno, as idiotas ilusões de universalidade, desfeitas numa fronteira de espuma, erigidas como grades de ferro. o compromisso com a linguagem é sempre múltiplo, como são múltiplas as vozes que dela se servem – seja para forjar prisões ou para reclamar liberdade(s).


fotografia tirada no ensaio geral do espectáculo «A minha história não é igual à tua», Projeto Corpoemcadeia – criação de Olga Roriz interpretada por reclusos do estabelecimento prisional do Linhó. Gulbenkian.

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