06/02/24

Miquelina e o estímulo da melodia

eu nunca tinha visto nada assim parecido, nem ninguém como a Miquelina naquela situação, nem é suposto, pensava. sentei-me com um desconforto tenso e pesado, mas levantei-me com alento. leve como a franja ondulada do seu vestido azul, que prendeu o meu olhar, de cada vez que ela se levantava para seguir o som.

as sombras do Miguel e da Miquelina projetadas no filme do Charlot fizeram-me lacrimejar e provocaram em mim uma sensação meio mágica, mas um pouco ácida, que me fez regredir e avançar em simultâneo, numa espécie de hiperconsciência sobre o início e o fim; a alegoria da caverna e a descoberta de que as coisas e as ideias não coincidem; a noção de finitude depois de uma vida plena. 

mas a rapidez da reação da Miquelina ao estímulo de cada melodia relembrou-me que a música tem o poder de ressuscitar — músculos, memórias, mortos e mães.

e claro, pensei no meu avô.




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